Projeto de Objetos de Aprendizagem*
Nos últimos anos, a rede vem evoluindo de um espaço de informações, de publicação, de páginas estáticas, de aplicativos/serviços reativos e isolados para um espaço de comunicação, de participação, de páginas dinâmicas, de aplicativos/serviços interativos e integrados. Mesmo sem existir o que se poderia chamar de web 1.0 o termo web 2.0 foi cunhado para tentar definir as novas tendências no desenvolvimento da web.Algumas destas tendências que permeiam o ciberespaço se materializaram em tecnologias e movimentos que foram assuntos de minha dissertação no mestrado, como os weblogs, o protocolo RSS, o Software Livre. Aponto outras como os demais aplicativos chamados sociais, como os wikis e as redes de contatos de todos os tipos, a telefonia móvel, as tecnologias sem fio (wireless) e a cultura hacker.Estas tendências, entre outras coisas, podem gerar transformações importantes na maneira com entendemos a educação on-line, incluindo todas as tecnologias à ela associadas. Neste sentido, penso que criar estratégias e ferramentas para a educação on-line passa por considerar em primeiro lugar as alternativas já existentes e disponíveis na rede; pensar usos combinados de aplicativos já disponíveis ou criar aplicativos que possam interagir com outros aplicativos já criados; optar por aplicativos ou criar alternativas abertos, de preferência sob licenças de livre circulação e alteração.É dentro desta perspectiva que construo esta proposta de objeto de aprendizagem.
Objetos de Aprendizagem [1]
Um objeto de aprendizagem pode ser conceituado como sendo todo o objeto que é utilizado como meio de ensino/aprendizagem. Um cartaz, uma maquete, uma canção, um ato teatral, uma apostila, um filme, um livro, um jornal, uma página na web, podem ser objetos de aprendizagem.A maioria destes objetos de aprendizagem pode ser reutilizada, modificada ou não e servir para outros objetivos que não os originais. Em muitas escolas existe aquele famoso depósito, nem sempre muito organizado, onde se guardam (às vezes, sepultam) objetos que fizeram parte de aulas e projetos. Um depósito de onde se recuperam estes objetos para reutilização, modificação, até que o desgaste inviabilize novas transformações e utilizações.Neste aspecto, os objetos digitais, têm algumas vantagens sobre os objetos materiais. Podem ser copiados e reproduzidos, gravados em suportes diversos, tendo uma vida mais longa. Por outro lado, se não adequadamente organizados, acondicionados e catalogados, podem ficar perdidos entre outros arquivos digitais.A possibilidade de copiar um objeto digital de aprendizagem aliada à possibilidade de editá-lo e modificá-lo, faz com que possam ser criados novos objetos de aprendizagem sem que os originais se percam. Por exemplo, uma apresentação feita num editor para projeção multimídia, pode ser reutilizada mantendo-se a estrutura básica, esquema de cores, transição, animação e modificando-se conteúdos e imagens. WIKISTÓRIASWikistórias é um objeto para a construção colaborativa de textos e hipertextos. Usa como estrutura de suporte um aplicativo que provê gratuitamente as ferramentas e a hospedagem de um
wiki na rede.O projeto deste objeto de aprendizagem foi criado dentro da perspectiva primeira de aproveitar aplicativos e outros materiais existentes na rede, mesmo com as limitações que isso possa trazer.Público AlvoAdolescentes e adultos a partir da 5ª série do ensino fundamental.Objetivo geralPromover o desenvolvimento da expressão criadora escrita, artística, hipertextual e o exercício do diálogo, da colaboração, da autoria e co-autoria.Objetivos específicos
Proporcionar um meio para realização de diversas atividades relacionadas à produção escrita.
Proporcionar suporte para atividades cooperativas/colaborativas.
Vivenciar o uso de ambientes/atividades livres, acessíveis a modificações no seu todo, nos quais a autoria é compartilhada.
Pressupostos Teóricos [2]
Aprender é construir sentido a partir da análise de uma informação, do levantamento de suas relações e significados. Para Freire (1983) este é um processo dialógico tecido entre investigadores críticos no ato cognoscente. O sentido construído, diz Bakhtin (2000, p. 386): “é potencialmente infinito, mas só se atualiza no contato com outro sentido (o sentido do outro), mesmo que seja apenas no contato com uma pergunta no discurso interior do compreendente. [...]”, assim, não se apresenta isolado, mas insere-se na rede de sentidos.Desta forma, o conhecimento que faz sentido é concreto e contextual. É, também, dialético, histórico e construído socialmente na ação do indivíduo ao construir sua própria existência (Vygotsky, 1989, 1984). Construído como relação que ultrapassa a dicotomia sujeito-objeto, pois os seres humanos fora das condições sócio-econômicas-culturais objetivas da sociedade não têm existência histórica (Bakhtin, 2000; Vygotsky, 1984).Aprender é construir conhecimento, é compreender, numa relação que leva em consideração todos os conhecimentos acumulados pela humanidade. Esta construção é mediada pela linguagem e nos torna parte dos textos que construímos, numa interação como relação dialógica mediante a confrontação de sentidos, uma compreensão responsiva ativa que exige duas consciências (Bakhtin, 2000). Esta dialogicidade põe à mostra a construção social onde se destaca “a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, [...]” (Freire, 2002, p.67).Neste sentido, pensar um objeto para construção colaborativa de textos, pressupõe uma opção por caminhos que possibilitem a emergência do diálogo e da autoria compartilhada, numa proposta aberta e colaborativa.Wikis são páginas dinâmicas facilmente criáveis e editáveis por qualquer pessoa que trazem um conceito de liberdade e de cooperação inovador para as publicações on-line. Alguém que hospeda, edita e publica um wiki, pode ser surpreendido por uma invasão criativa que parasita parte de seu espaço e convive com suas construções. Espalha-se a boa nova de que quem não tem um wiki pode acampar em um e contar com a solidariedade do hospedeiro. Neste sentido, nos espaços virtuais ainda sobrevive uma ética e uma cultura diferente das relações de propriedade que limitam nosso contexto material.Um dos mais conhecidos usos do formato wiki é a Wikipedia, projeto da Wikimedia Foundation, uma enciclopédia colaborativa, editada por quem assim o desejar, em diversas línguas, sobre uma infinidade de assuntos. Outro projeto, mais recente é o Wikinews, que tem como objetivo reportar colaborativamente notícias. Estes projetos são exemplos da produção de textos em autoria compartilhada.O que torna os wikis diferentes é que qualquer um pode editar e publicar qualquer coisa neles. Qualquer um pode ser autor. Assim, um wiki abriga projetos sociais sempre em construção. A teoria e as implicações pedagógicas do uso de wikis estão ainda em início de elaboração. O certo é que, se usados em sua forma mais aberta, eles transgridem as relações de poder, mesmo as menos autoritárias, que circundam o ensino-aprendizagem. As relações horizontais estabelecidas promovem a construção do conhecimento coletivamente. A autoria compartilhada e anônima mantém o foco na comunidade e não no indivíduo. Os wikis podem, com vantagens, dar suporte a projetos interdisciplinares, pela facilidade de acesso, edição, publicação e distribuição do conteúdo. Por estas características, também, tendem a alargar o número de participantes e colaboradores de qualquer projeto e, como ambiente para trocas, vão além dos fóruns e listas de discussão, principalmente pela organização do conteúdo em tempo real.Cada página de um wiki possui um link permanente que permite a citação direta e, além disso, é possível acessar as diversas edições efetuadas e, se necessário, reverter a página para uma versão anterior.Os wikis promovem entre os participantes a negociação permanente sobre as informações, sobre o conhecimento construído e sobre o conteúdo que restará publicado. As suas características hipertextuais, por outro lado, permitem que as variantes sobre o mesmo conteúdo possam ficar linkadas e acessíveis. Wikis exigem confiança nas pessoas e no processo, tolerância para com as diferenças, desprendimento e solidariedade e abrem espaço para a sua construção.Avaliar trabalhos desenvolvidos em um wiki é um desafio para os educadores. As contribuições anônimas impedem que a avaliação seja individual. Mesmo considerando o grupo, num wiki totalmente aberto é impossível afirmar que somente um determinado grupo de alunos é autor do trabalho. Porém, esta nova forma de trabalho e avaliação pode contribuir para a construção de novas alternativas para a educação.Desenvolvimento do projeto optei por um wiki já hospedado na web e acessado mediante cadastro, para diminuir as exigências técnicas do projeto. Deste modo, torna-se desnecessário o uso de servidores próprios e a instalação e configuração de aplicativos.
O
Wikispaces [3], aplicativo escolhido para dar suporte às wikistórias apresenta algumas diferenças em relação ao wiki tradicional. Exige um cadastro para usar o aplicativo e criar um wiki. O usuário tem limitações no uso da página, pois existem partes que não podem ser editadas e modificadas. O wiki criado é individual, sendo que para a participação de múltiplos usuários é necessário que o nome de usuário e a senha sejam compartilhados.O
Wikispaces tem a vantagem de não precisar ser instalado em servidor próprio. Seu manejo é bastante simples, possuindo algumas ferramentas de ediação básicas. Aceita textos colados de editores de texto ou de html, facilitando o uso de estilos e cores diversos. Imagens também podem ser coladas, desde que copiadas da página onde estão hospedadas.A opção pelo
Wikispaces se deve principalmente à possibilidade de sua utilização e replicação em qualquer sistema operacional, sem maiores recursos e conhecimentos técnicos. Deste modo, as wikistórias podem ser acessadas ou recriadas em qualquer escola com poucos recursos na área de informática. Assim, o projeto wikistórias é um objeto aberto construído com recursos gratuitos existentes na rede. Porém, pode ser recriado utilizando outras tecnologias mais sofisticadas.A interface criada para o projeto, hospedado em
http://wikistorias.wikispaces.com/, é bastante simples usando basicamente texto, hipertexto e imagens. A página de abertura contém links para a explicação geral projeto (
sobre), o projeto propriamente dito (
wikistórias) e as informações gerais do objeto (
créditos). Na wikipágina sobre contém, ainda, links para o texto completo do projeto e para um pequeno tutorial para uso do
Wikispaces. A wikipágina wikistórias começa informando como construir uma wikistória e apresenta um exemplo. As explicações são propositalmente breves de modo a dar ao usuário, tanto ao professor ao propor uma tarefa, quanto ao aluno ao iniciar uma wikistória, liberdade para usar o objeto da forma que mais lhe interessar.O objeto pode ser usado tanto para criar os textos quanto para trabalhar em cima dos textos criados. Por exemplo, num trabalho interdisciplinar o professor de história pode solicitar a elaboração de um relato sobre um fato histórico e o professor de português usar este texto para criar links explicar a origem de algumas palavras, seu significado, classificação etc. Para auxiliar esta apropriação do objeto será interessante construir e linkar um guia para o professor.Esta proposta aberta tem como objetivo promover a autoria e autonomia nas atividades geradas no objeto. A escolha do wiki facilita a interação, a participação, possibilitando a colaboração e a cooperação. Recomenda-se que as propostas criadas sejam colocadas como desafios e projetos a desenvolver.Considerações FinaisObjetos educacionais são construídos com no mínimo noventa por cento de boas idéias e no máximo dez por cento de codificação. A tendência da rede na sua atual fase de desenvolvimento aponta para a simplicidade, para a interconexão e o uso alternativo e combinado de aplicativos, para o uso que o povo que habita e aprende com a rede há muito tempo costuma chamar de hack.As wikistórias são um exemplo desta forma de apropriação da rede.
[2] Esta seção foi construída fundamentada em artigo apresentado no XIII Seminário sobre Formação de Professores para o Mercosul – Cone Sul, realizado em Osorno, Chile, em novembro/2005.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 421 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 25ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 (a). 165 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 13ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 219 p
GUTIERREZ, Suzana. Mapeando caminhos de autoria e autonomia: a inserção das tecnologias educacionais informatizadas no trabalho de professores que cooperam em comunidades de pesquisadores. (texto ainda não publicado)
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 168 p.
WIKIPEDIA. wiki. Florida, USA: Wikimedia Foundation, 2004. Disponível em <
http://www.wikipedia.org>. Acesso em 07 dez 2005.
*este texto está permanece em construção